"O assédio moral é um inferno"

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Durante 12 anos, o engenheiro agrônomo Valério Câmara trabalhou como gerente de vendas da divisão agrícola de uma multinacional norte-americana do setor agroquímico. Era um executivo bem sucedido, considerado ‘top’ e estava sempre no primeiro time, ou seja, aquele que recebe parte dos lucros obtidos pela empresa, como aumento de mérito que se incorpora aos salários.


O inferno na vida de Câmara começou quando entrou em choque com o diretor comercial da empresa, seu ‘assediador’. "O assédio moral é sutil e muito difícil de provar, mas eu estava bem documentado e entrei na Justiça".


Segundo ele, o diretor comercial começou a promover pessoas não pelo mérito, mas pelo grau de docilidade a ele. "O ambiente propício para o assédio moral começa quando a empresa abandona a meritrocacia. Colocar um amigo não é problema, mas colocar um grupo de pessoa sem as competências dá problema", afirma.


"Meu trabalho dependia de pessoas que não tinham conhecimento técnico e o diretor me obrigava a fazer o trabalho delas. Eu alegava que a função era de outras pessoas, mas ele dizia que eu tinha de fazer. Aí começou o verdadeiro assédio, com a avaliação de desempenho baixa. Do primeiro time, que tinha aumento por mérito, fui para o último".


Mesmo com a pressão de seu superior, Câmara conseguiu receber um prêmio por conta de produtos encalhados, avaliados em U$ 2 milhões e que seriam incinerados. “Consegui fazer um acordo com outra empresa e vendemos por US$ 1,2 milhão".


Câmara afirma ainda que a empresa publica vagas internas do mundo inteiro. "Tinha vagas no Brasil – me inscrevi e fui aprovado”. Para ocupá-la, era necessária aprovação do chefe, que não liberou. Depois disso, o gerente de vendas fez uma reclamação formal ao comitê de ética da empresa, que decidiu que continuaria trabalhando com o diretor comercial. E ainda disseram: ‘se quiser sair, que peça as contas’. Com a recusa, Câmara foi demitido por justa causa, alegando insubordinação.


"Em dezembro de 2003", ressalta, "entrei na Justiça. Em agosto de 2005 saiu a sentença: ganhei a causa e o juiz determinou que a empresa publicasse uma retratação pública em jornal, por terem difamado meu nome no mercado. Eles recorreram – o diretor de Recursos Humanos ligou para todo mundo".
Câmara afirma que com tudo que aconteceu, teve que mudar de ramo e mudar seu padrão de vida. Hoje, trabalha na empresa de sua esposa.
“Aprendi muito. Do ponto de vista pessoal foi cruel. Os amigos me abandonaram, mas, por outro lado, perdi o medo, aprendi a conhecer as pessoas e foi uma oportunidade única de ‘limpar minha agenda’. Poucos executivos falarão sobre assédio moral por pavor de ‘se queimar’. Mas decidi permanecer um ser humano íntegro".


Já o assédio no chão de fábrica é mais direto. Um exemplo é o de Carla Aparecida Torres, auxiliar de serviços gerais de uma confecção. "Tudo começou quando a chefe descobriu que eu estava grávida. Ela batia em minha mesa e gritava: morta-viva, dizia que eu estava drogada, ‘fazendo corpo mole’. Trabalhava em pé e ela exigia que trabalhasse com as pernas retas. Se eu mudava um pouco, ela empurrava minha perna".


A chefe de Carla Aparecida não admitia que ela levantasse a cabeça. “Faltei uma semana por licença-médica. Ao retornar fui demitida. Entrei na Justiça e o processo está em tramitação", completa.

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