Duas profissões diferentes. É possível conciliar atividades e talentos?

A versatilidade é, na maioria das vezes, mais benéfica para o empregado do que para a empresa. “Sabendo administrar a carreira de acordo com as melhores ofertas de cada área, a empregabilidade deste funcionário será sempre boa”.

Da sala de cirurgia para o pavilhão de eventos. Há 15 anos, esta tem sido a rotina da instrumentadora cirúrgica e organizadora de eventos Débora Souza. Para quem estranha duas profissões tão distintas, Débora esclarece: “Sempre trabalhei com organização de eventos, por influência do meu pai, mas meu sonho era trabalhar na área médica. Resolvi, então, fazer o curso de instrumentadora cirúrgica, e assim que terminei fui convidada por um médico para trabalhar na equipe dele, num grande hospital particular de São Paulo, onde estou até hoje”.

   

Mesmo com a profissionalização na nova área, entretanto, Débora não viu motivos para abandonar a antiga ocupação, e afirma que nunca encontrou obstáculos para conciliar as duas profissões. “Meus empregadores sempre entenderam e respeitaram meu interesse pelas duas áreas”, diz ela. Além disso, ela conta com o apoio de uma equipe de confiança, nos dois trabalhos. “Já aconteceu de eu precisar trabalhar numa cirurgia no dia da inauguração de um evento e, neste caso, precisei recorrer a uma colega instrumentadora. Como recebemos por cirurgia realizada, todos saem ganhando”, explica ela, que, como organizadora de eventos, recebe por hora trabalhada.

 

Conciliação

Em comum entre as duas ocupações, Débora Souza destaca somente o estresse, ainda que de maneiras diferentes. “Numa cirurgia, o estresse é muito grande, sobretudo no início, quando você fica muito absorta no trabalho”, diz ela. “Mas, assim que termina a cirurgia, você relaxa”, conta. Por outro lado, a organização de um evento muitas vezes se estende por mais de um ano. Débora pode cuidar da comercialização do espaço até a contratação e coordenação de terceiros. “Sofro mais de estresse com os eventos do que nas cirurgias”.

 

Versatilidade e empregabilidade

Nem todos os patrões, entretanto, podem ser compreensivos como os de Débora. É por isso que o diretor da Executive Prime, Fernando Possari, recomenda que, durante uma entrevista de emprego, o candidato mencione sua outra ocupação apenas se isto for especificamente questionado. “A empresa pode ver um profissional com este perfil tanto como polivalente quanto como deslocado, que não sabe o que quer e, nesse segundo caso, o profissional terá dificuldades de crescer na empresa”, diz.

 

Possari ressalta ainda que a versatilidade é, na maioria das vezes, mais benéfica para o empregado do que para a empresa. “Sabendo administrar a carreira de acordo com as melhores ofertas de cada área, a empregabilidade deste funcionário será sempre boa”.

 

Para empresas que estimulam o crescimento de seus funcionários, entretanto, um profissional de interesses variados pode ser bastante útil. Rosane Bolognesi Rivera, coordenadora de Talentos de uma grande empresa nacional da área de cosméticos, não vê problemas em selecionar um candidato que mantenha outra profissão paralela, desde que esta não interfira nas atividades deste dentro da empresa. “Para um candidato com duas profissões, o requisito principal continuará sendo sua competência para desempenhar as funções exigidas pelo cargo oferecido na empresa”, diz Rosane.

 

A coordenadora relembra ainda uma ocasião em que uma funcionária com este perfil “quebrou o galho” para a empresa. Um fotógrafo contratado como free lancer não pôde comparecer, e as modelos, também contratadas especificamente para aquela ocasião, já estavam presentes e prontas, à espera. A solução foi recorrer à designer gráfica Ariana Assumpção que, apaixonada por fotografia, tinha realizado alguns cursos por conta própria. O resultado agradou a ponto de a empresa passar a investir no talento de fotógrafa da funcionária, financiando novos cursos de fotografia. Ariana ainda atua no setor de design gráfico, mas hoje suas atividades concentram-se cada vez mais na fotografia, dentro da própria empresa. Por isso, ela agora se prepara para ingressar na faculdade de fotografia, curso que será em parte custeado pela empresa. “Já ficou claro para a empresa que minha paixão maior é a fotografia”, diz ela.

 

O perfil de Ariana e os ganhos que ela trouxe e deverá trazer para empresa vão ao encontro da opinião do diretor da Executive Prime, Fernando Possari a respeito de profissionais com várias formações ou experiências de trabalho. “Quando se tratam de profissões paralelas, como, por exemplo, nas áreas de contabilidade, ou finanças, e de produção, ou qualidade, como é muito comum hoje em dia, a empresa tem a grande vantagem de diminuição de custos operacionais, por contar com um profissional generalista, porém focado”. 

 

 

Cultivando vários interesses

Para quem tem duas paixões profissionais e pretende investir nas duas, Fernando Possari recomenda a realização de cursos rápidos, via Internet ou aos finais de semana. “É difícil manter-se atualizado em duas áreas, por isso este profissional nunca deve optar por cursos longos, para não se dedicar muito a uma área e esquecer a outra, e perder a característica de profissional ‘flex’”. Freqüentar entidades de classe e comunidades de Internet, dicas para cultivar uma rede de relacionamentos profissionais, o chamado networking, também valem para estes profissionais versáteis.

 

A instrumentadora Débora Souza destaca ainda que, para manter a sintonia em dois trabalhos de naturezas diferentes, é preciso jogo de cintura. “Principalmente nos eventos, em que lido com pessoas que vão de empresários a faxineiros, sem contar com o próprio público, minha capacidade de lidar com diversas situações é muito requisitada”. Mais do que isso, porém, ela afirma que é preciso responsabilidade para saber o momento em que precisa de ajuda. “Muitas vezes, já aviso à equipe médica que não poderei participar de cirurgias durante cinco dias, período em que estarei comprometida com um evento”.

 

 

Respeito aos espaços

A designer Ariana Assumpção, agora também fotógrafa, ressalta a necessidade de respeitar o local de trabalho e não utilizar, por exemplo, o telefone para tratar de assuntos referentes à outra ocupação. Há três anos na mesma empresa, a postura tem dado tão certo que ela agora resolveu investir numa antiga paixão: o teatro. Após ter atuado como amadora, antes mesmo de ingressar na empresa, Ariana resolveu, há cerca de um ano, profissionalizar-se. Atualmente ela finaliza um curso que lhe concederá o certificado de atriz profissional. “Como meu trabalho utiliza bastante a criatividade, a empresa sempre me incentivou a estimulá-la, buscando outras formas de expressão artística”, diz Ariana. Como prova, vários colegas já foram prestigiá-la em apresentações. 

 

Quando perguntada sobre como conseguirá conciliar não duas, mas três profissões, Ariana responde que acredita que uma delas acabará sendo transformada em hobby, embora ainda não tenha decidido qual. O mais provável, entretanto, segundo a própria Ariana, é que seja o design gráfico, exatamente sua profissão inicial. “As pessoas não podem ser definidas de uma única maneira, e se transformam no decorrer de suas vidas”, ela reflete.

 

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